Por que você não pode falar com os mortos (Why you can't talk to the dead)
E no mês de novembro, uma pequena história sobre uma família, crescimento e o sobrenatural.
Bem, e eis que chegamos em Novembro. Dentre os principais eventos do mês temos, já na abertura, o Dia de Finados e, assim sendo, trouxe uma pequena creepypasta sobre família, crescimento e fantasmas, com um dos meus finais favoritos. Essa história você confere abaixo, sob o título de…
Por que você não pode falar com os mortos

Título original: Why You Can’t Talk to the Dead
Creepypasta de: daydalia
Origem: Creepypasta Fandom
Tradução (PT - BR) : Lucas Freitas
Minha tia foi uma vigarista que aprendeu com o melhor - seu pai. Vovô nunca deu um grande golpe, é verdade, mas vivia pelo trambique. Talvez o fato de nunca ter chamado atenção tenha sido o motivo de não ter sido pego nem uma vez sequer. E isso era algo de que ele tinha muito orgulho.
Minha mãe não assumiu os negócios da família. Ela seguiu a via religiosa e se casou com um contador. É tão irônico que quase parece uma piada, apesar de ser verdade; papai sempre foi a maior ajuda que tive na hora das tarefas de matemática. Já as amizades mais “peculiares” de mamãe foram mantidas à uma distância segura durante toda minha infância, talvez para me impedir de seguir um caminho mais interessante na vida.
Deles, a única que conseguiu entrar na minha vida foi a tia Cassie. Uma psicóloga formada, aquilo dava à ela um tiquinho à mais de respeitabilidade. Mas o ponto é que a tia Cassie usava suas habilidades de ler pessoas de um jeito bem diferente, um jeito que, com certeza, não seria aprovado pela universidade.
A tia Cassie virou uma médium “autêntica”.
Ela tinha uma loja que vendia de tudo: cristais, ervas, velas. Tudo, enfim, que você pudesse precisar para preencher o vazio místico da sua vida - por um bom preço, claro. Nos fundos, ela mantinha uma salinha onde fazia as tiragens de tarô e as conversas com os mortos.
Como meus pais trabalhavam o dia todo, não foram poucas as vezes em que fui deixado na loja da tia Cassie, onde terminei ajudando em algumas de suas perfomances. De mexer nas luzes a bater nas paredes, fiz um pouco de tudo lá. A ideia de mexer no termostato durante as sessões veio de mim, e foi bem efetiva. Ora, os clientes vinham para lá para sair com um arrepio na espinha, não era? Então por que não darmos isso a eles?
Cassie foi a responsável por me tornar o cético que sou hoje. Ela me mostrou os bastidores de todos os truques e ilusões. Às tardes, quando algum mágico ou médium aparecia em um programa de auditório, ela me explicava o passo-a-passo das leituras frias que eles realizavam para impressionar a plateia.
Depois de um episódio particularmente convincente, eu fiz a pergunta. Não tinha como algo daquilo ser real? A resposta da minha tia foi firme:
“Os mortos não falam, guri. Qualquer um que diga o contrário não sabe do que está falando.”
Foi a sua convicção, mais do que qualquer coisa, que me fez acreditar nela.
Só houve um cliente que já a vi recusar. Ele era velho, careca e curvado. Tirou o chapéu ao entrar e ficava apertando as mãos enquanto falava. Cassie ficou tensa no instante em que o viu.
O homem dizia ter sido um agente carcerário, tendo atuado no Corredor da Morte. Ele foi o responsável por executar a pena capital em alguns dos piores criminosos do planeta. Agora velho, esse trabalho o atormentava, corroendo sua alma. Ele queria que Cassie entrasse em contato com as almas daqueles que ele havia matado para que assim pudesse pedir desculpas e implorar por perdão antes de se juntar a eles.
Minha tia deu o maior de todos os chiliques. Eu nunca a vi tão furiosa! Ela uivava e jogava coisas. Gritando para ele calar a boca e ir embora dali.
Me escondi debaixo do balcão e cobri os ouvidos até o velho sair. Mais tarde, pensei que a reação dela foi por causa do emprego daquele homem. Um executor deve ser o maior medo que um vigarista pode ter na vida.
Só que, uma hora, fui descoberto. Eu quis fazer um show de mágica para os meus pais e estupidamente pensei que, já que mamãe estava sentindo tanta falta do vovô, ia ser uma boa ideia fazer a imitação de um médium onde fingia estar conversando com ele. Vacilei. Minha mãe ficou furiosa e me proibiu de ver a irmã dela novamente.
Como tinha deixado alguns livros da escola na loja, eu ainda tive como fazer uma última visita até lá para pegá-los, ainda que com uma mãe fumaçando de raiva me esperando no carro. A tia Cassie nem precisou perguntar o que estava acontecendo. Afinal, ela conseguia ler no meu rosto. Depois de pegar os livros, só tive tempo de dar um último abraço e um adeus afogado em lágrimas. E foi então que ela me contou um último segredo.
“Guri, tem uma maldição nessa família que é passada de geração em geração como uma tocha. Eu rezo para quaisquer que sejam os deuses lá fora que eu não passe ela para você quando tiver que partir.”
Nós não tivemos qualquer outro contato por uns nove anos, até o Facebook entrar na esfera pública onde nenhuma ordem parental poderia me impedir de retomar o contato. Foi estranho. A vida não foi muito gentil com ela; diagnosticada com algum tipo de transtorno esquizoide, teve que sair do ramo de médium. Para pagar as contas, se legitimou como psicóloga, e com isso ela perdeu muito da sua alegria e paixão pela vida.
Um dia, assim que cheguei em casa, vi uma mensagem no meu inbox que fez meu coração afundar.
“Te amo, guri. Lembra daquilo que eu te falei.”
Liguei pra ela, já chorando. Nenhuma resposta. Mas isso não me impediu de ligar de novo e de novo e de novo…
Eu estava muito abalado para contar para minha mãe. A polícia fez isso por mim no dia seguinte. Foi um acidente de carro. Ela estava alcolizada.
O funeral foi um tipo de borrão. Parentes que eu nunca havia visto lotaram a igreja. Eu me sentei entre os meus pais, na fila da frente, enquanto forçava meu cérebro a lembrar o que minha tia queria que eu lembrasse.
Seguimos o caixão até o cemitério em silêncio absoluto. O padre fez o último discurso e então fiquei sozinho na lápide dela, ainda me forçando a lembrar. Pedaços das conversas dos meus pais entravam e saíam do meu foco de atenção. Se ao menos Cassie não tivesse sido tão vaga.
“…esperava que viesse tão pouca gente. É uma pena.”
Pouca gente? Aquilo me pegou de jeito. O velório estava abarrotado de gente! Me virei para falar algo quando finalmente entendi.
Atrás dos meus pais, vi uma multidão, todos de pé e encarando fixamente algum ponto à frente. Meus pais não estavam prestando a menor atenção neles. O padre murmurou algumas condolências e foi saindo, caminhando através da multidão sem precisar abrir um espaço que fosse.
Na frente do grupo, com a mesma cara que tinha quando a vi pela última vez, estava Cassie. Nem todos os desejos de “descanse em paz” do mundo a teriam ajudado naquela situação. Sua boca estava total e completamente escancarada, e foi assim que eu descobri. Agora eu sei qual é a maldição da família. Agora eu sei porque os mortos não falam.
Eles estão ocupados demais gritando.
Por mais que não seja tão eficiente e refinada quanto as outras creepypastas que lemos aqui, esta é, de longe, uma com um dos melhores finais que já li em muito tempo.
O modo como a última frase reverbera, quase como um grito, fecha a história tão bem, e com tanta força, que, na minha opinião, carrega toda a narrativa, persistindo com o leitor bem depois que ele termina de ler.
É o sonho de todo autor/autora conseguir esse tipo de efeito, e aqui ele foi obtido.
E já que falamos sobre médiuns, fantasmas e outras entidades sobrenaturais, deixo aqui o link de um artigo que escrevi lá na Galeria, onde analiso um dos meus arcos preferidos de xxxHolic :
Galeria da Meia-Noite: Naquela loja havia uma pata de macaco: xxxHolic e o arco da pata do macaco
E já que falamos sobre família e fantasmas, tenho alguns contos que talvez possam ser do seu interesse.
O primeiro deles, O Jantar, foi meu conto de estreia, lá nos distantes anos de 2015, e você pode conferi-lo lá na Amazon.
Adquira o conto por aqui
O segundo já apareceu por aqui antes, e é o As Moradoras de Xochimilco que saiu na antologia Lugares para Jamais Visitar.
Adquira seu exemplar do ebook por aqui
Por fim, deixo aqui o aviso de que, além do Arquivo do Terror, tenho também a news Curadoria da Meia-Noite, onde discorro sobre quadrinhos, animes e afins:
E por hoje é só!







